sábado, 12 de fevereiro de 2011

Os dentes da bruxa Ritucha

Fiquei tão orgulhosa com a opinião da minha querida professora e escritora, Paula de Sousa Lima, sobre a minha primeira obra literária
Assim, aqui vai...
Uma obra de literatura para a infância
Artigos de Opinião 2008-01-21 12:31


Para se fazer seja o que for é imperioso estar de posse de qualidades e de conhecimentos que nos permitam levar a cabo a tarefa em vista. No presente caso – a criação de um livro para crianças – é decerto necessário conhecer aprofundadamente o mundo infantil, por ele ter paixão e possuir um grau de imaginação consentâneo com a curiosidade dos mais novos. A estes requisitos obedece Rita Bonança, educadora de infância, consequentemente imersa no mundo infantil. Assim, a autora põe o seu saber, a sua paixão e a sua imaginação ao serviço das crianças, numa história que a elas dedica.
“Os dentes da bruxa Ritucha” em boa hora surgem no panorama da literatura para a infância, tão acarinhada e prolífera no nosso país nos últimos anos e ainda mal conhecendo autores que a ela se dediquem na nossa região. Assim, para além de outros elogios que se poderão fazer merecidamente a Rita Bonança, desta-se este de ser pioneira da literatura para a infância nos Açores.
Literatura para a infância é um conceito não fácil de definir e largamente problematizado por vários autores ao longo do tempo. Para Cecília Meireles (1951), “são as crianças, na verdade, que o delimitam, com a sua preferência. Costuma-se classificar como Literatura Infantil o que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria, pois, uma Literatura Infantil a priori mas a posteriori”. Desta reflexão de tão renomada autora infere-se que aquilo que a literatura para a infância deve visar é justamente o “encontro” com a criança, o agradar-lhe, o dar-lhe prazer. Juan Cervera (1991) afirma que “há autores que propõem integrar na literatura infantil ‘toda a produção que tenha como veículo a palavra com um toque artístico ou criativo e como destinatário a criança’.
Criatividade, toque artístico, capacidade de proporcionar prazer à criança – eis o que, possivelmente, se exige a uma obra cujo público seja o infantil. E a obra agora apresentada obedece perfeitamente a estes requisitos, ainda que o último só possa ser testado a posteriori. Mas é de crer que o texto de Rita Bonança vá ao encontro dos mais novos, nomeadamente dos meninos do Jardim de Infância – público visado.
Apostando numa linguagem clara, simples e acessível, sem descurar a correcção, a autora do texto urde uma narrativa feita de peripécias não muito complexas, engraçadas e divertidas, que a criança pode facilmente entender. Não é de menor relevo o jogo de sonoridades que pode ser aliciante para a criança – desde as quadras que configuram a dedicatória (Às Margaridas…), passando pelas fórmulas mágicas (okos pokos okos pokos perlim pim pão), até à canção final. A narrativa, como se disse, pouco complexa, aposta também num aspecto que é, de alguma forma, garantia do sucesso junto dos mais novos – o retomar de personagens e de um ambiente por eles reconhecível e que, geralmente, vai ao encontro do seu imaginário, até por conter referências de um imaginário enraizado na/pela tradição.
Rita Bonança envereda pela fantasia, pelo maravilhoso, retomando a figura da bruxa. Tal opção pode não ser bem entendida se tivermos em conta as críticas que a esta polémica personagem, tão recorrente nas histórias infantis, foram sendo feitas. Figura normalmente assustadora, castigadora, a bruxa, no entanto, como refere Cristiane Oliveira (2001), “passou por transformações e, actualmente, percebe-se a criação de bruxas que agem eventualmente com bondade ou, por vezes, portam-se como fadas”. Começa, de facto, a surgir, na literatura para a infância, uma nova bruxa, que rompe com o paradigma de maldade tradicionalmente relacionado com as bruxas. Assim é a Bruxa Morceguita que Rita Bonança criou, desde a primeira página apresentada com um aspecto simpático (gorda e baixa) e explicitamente apontada como “uma bruxa boa, que fazia magias para ajudar as pessoas”. Os elementos que a inserem no universo da bruxa tradicional – tarântulas, sapos, vassoura, pozinhos, palavras mágicas – são utilizados em prol do bem, e a narrativa vai justamente revelar as peripécias mágicas que visam concertar uma situação desagradável criada por um feitiço maléfico. A fantasia de Rita Bonança vai, no entanto, mais longe, pois a bruxa é igualmente algo trapalhona e situações insólitas ocorrem quando ela tenta solucionar o problema da sobrinha – a bruxa Ritucha. É este insólito que dá um toque de inovação à obra, situando-a também no campo do humor, normalmente tão grato às crianças.
Estamos, assim, perante um texto que tem todos os ingredientes passíveis de agradar aos mais novos. Temos, sobretudo, uma obra que se afirma no domínio da fantasia, talvez, pensem alguns, em detrimento da função explicitamente pedagógica, suportada no “mundo real”, tão ao gosto de certos autores e críticos actuais. No entanto, não deixa de haver uma “lição de moral”, se assim o quisermos considerar. A bruxa Ritucha aprende a “nunca mais se meter com bruxas más, que gostavam de assustar crianças e lançar feitiços aos outros para se rirem”.
Ao texto de Rita Bonança vêm juntar-se os desenhos de Sofia Brito. É caso para se dizer que raramente estamos perante um encontro tão feliz. Que o livro para crianças seja normalmente ilustrado é um dado adquirido. Que o seja com tanta qualidade e de uma forma tão harmoniosa já é mais raro.
A imaginação fantasiosa da ilustradora forma com o texto um conjunto tão perfeito que é impossível pensá-los separadamente. Texto e imagens ajustam-se num todo, como se tivessem sido pensados em conjunto. Se Rita Bonança apostou na fantasia, Sofia Brito fê-lo com igual capacidade criativa – do traço à cor e à perspectiva, do reconhecível ao inusitado, as imagens são, mesmo para um adulto, pequenas obras de arte. E para os mais novos certamente um deleite.E este livro – texto e imagens – com todas as virtualidades que encerra será, decerto, uma verdadeira obra de literatura para a infância, no sentido em que Cecília Meireles a encara, pois não será difícil merecer a preferência das crianças.

Paula de Sousa Lima

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